O objetivo da crítica atual é a crítica-criação.
A crítica-ciência trabalha com a representação objetiva onde a mente estabelece as leis, o conteúdo, o começo, o fim.
O fenômeno literário, instaurado a partir de um primórdio inominável, é plurissignificativo, daí a impossibilidade de uma abordagem global, através de análises cientificizantes.
Faz-se necessária a compreensão existencial já que ele reclama o enfoque do homem e o seu ser-no-mundo. Essa exigência leva a uma ruptura total com o sistema que, embora tenha necessidade do novo, ao mesmo tempo receia que ele traga a sua desintegração.
O objeto da crítica da modernidade é a especificidade da obra em si mesma, isto é, um discurso sobre outro discurso – metalinguagem. O artista questiona sua própria obra como podemos ver no poema de Carmem Felicetti:
Aventura
Palavras, caravelas de mil e quinhentos,
Estagnadas, esperam ventos.
Em parte de mim, que é porto,
Ensaiam saídas,
Sacodem amarras de dicionários
E âncoras do próprio sentido.
Querem por guia
Ânsias e estrelas
Na busca do caminho da Poesia
Para naufragar
Ou descobrir.
A linguagem poética é um código infinito, ordenado, o qual não é regido pela mesma lógica que ordena o código lingüístico da comunicação.
Urge uma releitura do texto: ele só se torna legível numa abertura para o ilimitado.
A crítica fenomenológica consiste em apreender um objeto por uma relação de intersubjetividade, o que conduz a um certo grau de objetivação.
Um dos conceitos básicos da fenomenologia é o de que “toda consciência é consciência de alguma coisa”. Aí está a noção de intencionalidade da consciência, no sentido de Husserl. A todo objeto (NOEMA) corresponde uma determinada modalidade da consciência (NOESIS).
O ato intencional – o ser voltado para um objeto – compreende duas etapas: idealidade e realidade.
A idealidade corresponde a um momento de mera automação: dizer qualquer coisa sem sentido. O sentido só estará presente no momento de realidade, no qual cada sujeito se define por sua situação em relação ao outro. Assim, numa auto-incorporação simultânea à incorporação do outro, o poeta conserva sua identidade diante da alteridade da sua obra.
Toda palavra é sempre ambígua: diz e não diz, sabe e não sabe. A fenomenologia não vai além do momento de realidade, portanto não é suficiente para a compreensão do fenômeno literário em sua totalidade.
O fazer poético reclama uma compreensão mais profunda, a qual atinja o processo sistemático que une sentido e forma – a compreensão existencial. Para tanto é necessária a leitura hermenêutica, buscando uma abertura, para abarcar totalmente as significações da obra literária.
Sendo o homem em comunicação a própria existência da literatura, a abordagem deve ser feita numa perspectiva ontológica, indagando-se sobre o ser da literatura.
O fenômeno poético não conceitua, situa-se aquém do conceito numa tentativa de transcendê-lo. Podemos exemplificar com Fernando Pessoa:
“O luar através dos altos ramos”
Dizem os poetas todos que ele é mais
Que o luar através dos altos ramos.
Mas para mim, que não sei o que penso,
O que o luar através dos altos ramos
É além de ser
O luar através dos altos ramos
É não ser mais
Que o luar através dos altos ramos”.
Observamos que o poeta não conceitua nem na afirmação, nem na negação. Mas tanto a afirmação como a negação leva a uma igual abertura.
Podemos propor a seguinte colocação: que lugar desempenha a análise semiótica na apreensão do fenômeno literário?
Vimos que a indagação deve-se voltar para o processo gerativo do texto, portanto esse tipo de análise não é suficiente para abordar o fenômeno literário no seu todo. Ainda que se veja o discurso poético como um sistema formal, constatamos que a poesia como modalidade de ser do homem, assim como ele, é paradoxal, contraditória, razão e desrazão logo, apresenta resistência à aplicabilidade dos modelos lógico-formais, já que eles trabalham com antinomias, exclusões e oposições, enquanto o fenômeno poético trabalha com inclusão e contradição. Nele, a contradição não é desrazão nem contra-senso, é constatação.
Tomemos como exemplo um poema de Cassiano Ricardo:
Explicação Desnecessária
Não direi que o nosso amor
Seja um amor perfeito
Para não confundir
Com a flor
Direi
Que é um perfeito amor
Muito mais do que amor
Muito mais do que perfeito
O Poeta, ao negar, afirma e, ao afirmar, nega. O que transparece no poema não é um conceito, nem desrazão, mas sim uma visão do extraordinário na Poesia. A crítica atinge a especificidade do discurso poético em si mesmo: sua poeticidade – entretexto.
Em suma, o significado poético é plural, remete a outros discursos. Num mesmo texto outros discursos podem ser lidos.
A criação de um metatexto, pelo des-velamento da leitura além das aparências é o propósito de um modelo aberto da critica da contemporaneidade.
Bibliografia:
– BARTHES, Roland. O grau zero da escritura. SP, Cultrix, 1974.
– BARTHES, Roland. Ensaios Críticos. In: Crítica e verdade. SP, Editora Perspectiva, 1970.
– FELICETTI, Carmen. Perfil do vento. Editora Portal literário. Petrópolis, 2006.
– BONOMI, Andréa. Fenomenologia e Estruturalismo. SP, Editora Perspectiva, 1974.
– LACAN, J. e Outros. Psicanálise: Ciência e Prática. Editora Rio, Sociedade Cultural Ltda., 1975.
– PESSOA, Fernando. Ficções de Interlúdio. In: Obra completa. RJ, Aguilar, 1972.
– SEABRA, Leila e TORRE, Maria Luiza. Metatexto – Discurso da Crítica. UFRJ, Rio de Janeiro, 1976.