REFLEXÕES SOBRE CRIAÇÃO E CONSUMO
Podemos dizer que o futuro desencadeia o imaginário. Ele é uma fonte criadora.
A própria cultura exige a criação, que é um ato ilimitado, uma válvula de escape, o sonho acordado. Em suma, o futuro desencadeia o imaginário e provoca a criatividade. Esse futurismo é a urgência da cultura de massa.
A criação habita o país do consumo?
Persiste a dissincronia entre consumo e criatividade. Aquele se consome, este permanece. A criação é múltipla e vertical.
Um poema tem passado, presente e futuro e não é feito para ser consumido.
O ESTAR é criativo, enquanto o BEM-ESTAR é consumo.
A questão é se instalar a novidade e não repetir a novidade. Quanto mais temporal for uma obra, menos ela permanecerá.
As variantes na sociedade de consumo são de padrão médio, enquanto a arte está em nível natural e cultural.
O criador tem que transcender o nível médio de consumo.
O verdadeiro criador é aquele que tem o poder de instaurar a verdade para além das estruturas e limites. Nenhum esquema se contém em si mesmo.
A criação é o ilimitado dentro do limite que o consumo não poderá devorar. O ato criador opõe-se ao totalitarismo do consumo.
Nada é mais estranho para a produção do que a insaciabilidade humana.
“O homem é o que há de mais estranho no estranho”.(Sófocles).
A crítica literária atual tem como maior objetivo uma análise ontológica, isto é, o fenômeno literário em si, seu processo criativo.
Haroldo de Campos com sua metalinguagem considera a literatura como metacomunicação e a linguagem como veio criador. Para ele, o produtor de texto parte do sistema vigente para produzir um novo arranjo de signos e é nesse processo que reside a originalidade em oposição à invenção.
É meio complicado: ao partir do sistema vigente é invenção, mas ao chegar à fonte da nova estrutura é originalidade, porque incide na relação entre signo e significado criando um novo significante.
Na perspectiva da produção, só é texto na proporção e na medida de sua informação e o que faz a informação não é o conteúdo da mensagem, mas o equilíbrio entre a expectativa e a satisfação.
No texto literário não importa só o que se diz, mas como se diz.
Produção é o aproveitamento, o processamento do acervo existente com os meios ou os recursos de agora.
É nessa linha de pesquisa que vamos poder distinguir o poema do produto cultural de massa.
Um poeta é poeta a partir da fala impossível, do silêncio, e como sabemos o silêncio é o máximo de concentração de voz.
“O silêncio é o intróito do pensar”.(Arcângelo Buzzi).
Nesse dinamismo de jogo da verdade, a crítica também passa a ser criação.
Portanto, para a apreensão de um texto literário, há que se ter uma metodologia.
É preciso investigar sua estrutura, conhecer a dinâmica do fazer poético, o que o desencadeou, qual o contexto social a que está inserido, tentar chegar a um sentido que nunca é totalmente desvendado, já que ele é plurissignificativo.
Podemos perceber alguns elementos na produção de um texto poético.
Intratextualidade – Outros textos que geram o texto. Elementos que o autor usa para
compor o texto (ingredientes).
Intertextualidade – Como o autor faz a disposição desses elementos para a constituição
do texto.(modo de fazer)
Extratextualidade – É o contexto do momento, o social que vem integrado ao texto.
Pré-texto – É o que dinamiza o texto, o desestruturar para criar algo.
É o espírito do tempo, o que possibilita ao homem cantar,
ao cientista fazer ciência, ao poeta fazer poesia.
Entretexto – É a poeticidade do texto.
Extra-texto – É o momento, o contexto social que é integrado ao texto.
AS ÚLTIMAS COISAS
João Domingues Maia
A última coisa que a velha disse:
Tem dias que dá vontade de esperar o tempo
na porta de entrada e dar uma surra nele
A última coisa que o poeta disse:
Não havia mais repreensões naqueles olhos
e a velha assumira o seu descanso.
Vamos analisar o poema acima separando os elementos que o compõem.
Maia desarticulou toda uma linguagem existente para criar o seu fazer poético, o poema “As últimas coisas”. A esse processo dá-se o nome de PRÉ-TEXTO.
O TEXTO é composto de seis versos, distribuídos em duas estrofes.
O ENTRETEXTO contém a poeticidade do poema. Há nos versos uma investigação sobre o tempo, o desejo de que ele volte, a demonstração de sua passagem e a aceitação de seu fluir inexorável.
Podemos observar que os elementos sobredeterminantes do poema são o tempo, na forma como ele se articula e a reflexão sobre o percurso da vida, através da fala da velha e do poeta.
A primeira estrofe contém uma afirmação, na qual observamos a negação da ação deletéria do tempo “dar uma surra nele”.
A segunda estrofe contém uma negação que infere uma afirmação, através da fala do poeta, que é o ato de pacificação, de retorno “a velha assumira o seu descanso”.
O poema apresenta o presente sugerindo uma presença ausente e a aceitação de um processo inevitável.