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Sonia Maria Caetano Ferreira

Biografia

Funcionária Pública Federal aposentada. Poeta e trovadora com diversas premiações
E participações em Antologias poéticas. Foi titular da Academia Petropolitana de Poesia Raul e Leoni, atual Academia Brasileira de Poesia, onde ocupou a cadeira n° 33, patronímica de Nestor Pimentel.

Prisioneira da alma

Sonia m c ferreira
Para Janine

Tua solidão é a solidão do mundo.
Passeias inerte entre o verde dos jardins
e o arco-iris das flores não te encantam.
Teus olhos velados por lágrimas amargas
não percebem aquele esvoaçante colibri
sugando, guloso, o néctar da vida.
Teu corpo cansado, marcado pelo tempo,
anda a esmo por campos brilhantes;
as rosas te saúdam e não vês,
primaveras explodem em cachos exuberantes
e tuas mãos estendidas, esquecidas,
não fazem mais ternas carícias
nas belas zínias e dálias coloridas.

Esta solidão não é só tua. É do mundo.
Prisioneiros que somos nós,
nos fazemos solitários também.
Nem a lua redonda, enorme no firmamento,
nem as estrelas a piscarem intermitentes
ou o sol no seu brilho vigoroso
conseguem unir as solidões universais.

… Nem há consolo nisto:
o saber de tantas solidões…

Os olhos tristes se velam mais,
turvando a visão com grossas lágrimas.
Depois de tanto tempo, futuro incerto,
tudo parece irreversível!…

Canção para Raquel

Sonia m c ferreira

Pra que reprimir as lágrimas?
Chora, menina, chora muito,
até sentir esta dor no peito
sair por teus olhos molhados,
até sentir de tuas entranhas
se esvair toda mágoa da desilusão.

Menina, teus olhos arregalados
mostram todo o medo da solidão
que hoje te atinge cruelmente;
não tenhas receio, menina, então,
de mostrar ao mundo teus sentimentos,
nem vergonha de chorar por inteira
pois, se esta é a tua vez primeira,
para todos nós, aqui, o adeus
não é uma palavra derradeira,
e o chorar por tristes despedidas
é lugar comum em nossas vidas.

Chora, menina, chora…

Guerra

Implacável, a vida destrói a vida
na conquista bárbara do espaço
e do tempo.

As aves de caça são meras sombras
que se destacam no alvor da madrugada,
e semeiam, como o trigo, a morte nua,
que devasta tudo no combate do mal.

Animais de aço, seres que rastejam,
arrancando o que da terra a Terra nos deu,
misturando água, terra, suor e sangue,
triturando (e bem!) o adubo feito por Deus.

Ferros que tinindo, rebrilham ao sol,
armas que se cruzam, vibrantes e caladas.
Poderio de muitos em mãos de quem pode,
escudos da impotência na falta de argumentos.

Oh, honra resguardada!
A vida que destrói, vangloria-se afinal.

E as hienas gargalham, felizes,
sobre os pedaços da humanidade esquartejada!…

sonia m c ferreira

Motivo

Meus passos, hoje cansados
de tão longa caminhada,
estão trôpegos, vacilantes,
sequer enfrentam outra jornada..

Num viajar constante e sem rumo,
tal solitário peregrino,
desci vales, subi montanhas,
cumprindo apenas meu destino.

Hoje, já um velho combalido,
revejo meus amores dispersos,
um coração fragmentado em versos
e sonhos… tantos sonhos perdidos!

Da juventude o retorno não desejo,
pois se me perdi em apenas um beijo,
ao rever tua boca, eu, talvez,
fizesse tudo, tudo de novo outra vez..

Sonia c ferreira

Transcedência

A esmo, na praia deserta,
os braços estendidos aos céus,
ela anda, cambaleante,
esquecida, na noite enluarada.

Dizem:
– é uma velha louca!

Mas ela,
na sabedoria que é só dela,
cata fiapos de alvas nuvens
para um longo e diáfano vestido,
tira o brilho em pó das estrelas
e joga-o no cabelo desgrenhado,
se aquece com o manto prateado
dos raios do luar,
e se mira mui docemente
no espelho das águas do mar.

Louca? Não, não é!
Só tem apenas a vaidade
de ser uma grande mulher!…

Sonia m c ferreira

Incerteza

Na procura de mim mesma,
vou-me indo por ruas assombradas,
onde vagam os etéreos sonhos
que se chocam co’a névoa da realidade.

Oh! Como me procuro, talvez em vão…
E nesta procura do meu eu,
vou, volto e retorno nos meus passos,
sem nunca e no nada me achar…

Se não me encontrar rápido,
talvez me perca no turbilhão da vida,
talvez então me vá, só, sem destino,
e suma pra sempre naquela encruzilhada…

Me procuro e não me acho.
Mas onde estarei eu?
Talvez dispersa nos passos que vão,
talvez magoada na ilusão que volta.

Por mais que tente procurar-me,
dúvida de já ter-me encontrado,
e sem me reconhecer, ter passado ao largo,
e ter-me assim, perdido de vez de mim.

Talvez a verdade de tudo, seja
que, mesmo me procurando,
não me esforce muito por achar-me,
e não queira mesmo nunca me encontrar…

sonia m c ferreira

Ela

Hoje ela veio, leve,
bem de mansinho,
sentou-se em meu regaço,
e aproveitando, a ladina,
minha mente distraída,
me enlaçou num forte abraço.

Não pressenti seu chegar.
Embora tênue, de mim inteira
apossou-se ela então.
Antes vinha arrebatadora,
violenta comigo até,
magoando este frágil coração.

E hoje, nem sei porque,
não consegui distinguir
este sentimento que me assola.
Ela, é a saudade de você,
se antes um mal a me destruir,
é hoje um bem que consola…

Sonia m c ferreira

Canção antiga

(à Bicas)

Ao pé da Estação ela cresceu
como formosa princesa encantada,
na Ferrovia se desenvolveu
até tornar-se rainha indomada.
Entre fuligem e fumaça viveu,
foi criança, foi ingênua e levada;
hoje, adulta, chora o fim do Liceu,
da Oficina o fim chora amargurada.

Onde a feliz algazarra
do alegre operário em noites de farra,
o eco do sino a dobrar contente?
Com o apito final da Baronesa
espraiou-se nela imensa tristeza,
o riso se foi, fez-se a alma silente…

Sonia m c ferreira

Invocação

Desde que eras pequeno
te acolhi em meus braços,
e no anos do teu crescer
sempre estive ao teu lado.
Deitavas em meu ventre,
banharam-te minhas lágrimas,
cresceste cercado por mim,
eu me dando toda para ti.

Hoje, homem já feito,
tens olhar embrutecido,
ambicioso, aviltante.
Não me reconheces como amiga,
e, como impiedoso inimigo,
cerceias minha liberdade.

Não, por favor, não!
Não faças o que tem em mente,
não tires da minha alegria o brilho!
Sou a Natureza, tua mãe de sempre,
não me devastes, não me dilaceres,
não me mates, meu filho!…

Sonia m c ferreira

Poeta

(ao amigo LG)

Poeta é aquele que faz
de suas dores uma canção,
de suas alegrias um sonho,
de cada amor única paixão.

Na mente de alguém assim
o mundo todo se transforma:
ora é energia a vibrar ardente,
ora é melancólica escuridão.
Às vezes, acontece tudo ser
apenas uma desvairada
mas gostosa lassidão.

Na caneta ele tem poder:
é rei, é carrasco, é escravo
(pode até ser palhaço).
Não é importante
raça, credo ou profissão,
é indiferente qual sua escola,
é indiferente qual sua meta,
vale mesmo é o que deixa escrito,
eternizando emoções do universo
pelas suas mãos de poeta…

Sonia m c ferreira

Nostalgia

Tocam os sinos da igreja
na minha velha cidade,
em sons lentos, plangentes,
que ressoam em nossa alma,
machucando suavemente.

Tocam às dezoito horas,
quando os pássaros se calam
todo o gado se recolhe
e os riachos só murmuram.
É hora da Ave-Maria,
e o vento, que nos embala,
vira brisa, que de leve,
bem de leve nos acaricia.

Que saudade tenho hoje
dessa riqueza tão sutil.
Cidade grande é diferente,
não tem coreto na praça,
não tem banda engalanada
a tocar, toda emproada,
retretas como antigamente.

Hoje, esses sons antigos,
ora alegres, ora dolentes,
vibram ainda no coração
que este velho corpo encerra.
Esses sons mágicos, inocentes,
são doces ecos de minha gente,
são recordações da minha terra…

Sonia m c ferreira

Delírio

Da tua boca fluem palavras tão doces
que enlevam meu coração sempre cativo.
São palavras que envolvem meu lado carente,
me fazem querer ter-te sem pré comigo.

No teu olhar eu encontro a luz do sol,
o brilho suave de uma noite de lua,
e em matizes diversos demonstras paixão
que não penso em mais nada, só em ser tua.

É nesta minha insanidade apaixonada
que noite após noite eu sonho contigo,
e a mente quer esquecer, a tresloucada,
esta minha estupidez, que sempre maldigo.

Pois é tudo sonho!… E num mar de obrolhos
eu navego a cantar como uma louca,
imaginando ter nos meus os teus olhos,
imaginando colada à minha a tua boca…

O meu caminho

(à Mar de Espanha)

Cuidado ao descer pelo nosso caminho.
Não fale alto! Em algazarra nem pensar,
pois nossas aves aqui vivem do carinho
que todos nós conseguimos lhes dar.

Não tenha medo, pode vir sozinho,
que os anjos da mata irão lhe guardar,
protegendo-o de qualquer espinho
que queira impedir seu caminhar.

Olhe bem para cima e para cada lado,
sinta a fresca sombra do bambuzal,
se regale com nossa flora nativa.
Se o corpo fremir, não fique assustado,
talvez sua alma, de modo bem natural,
esteja lhe falando que daqui já é cativa.

É um lugar abençoado. Não se esqueça
que tem o nome de Caminho de Belém.
Talvez Jesus Menino de você se compadeça
e um dia lhe deixe morar aqui também…

Sonia m c ferreira

Súplica

Ergo minhas mãos para os céus
querendo do sol o calor,
da lua o brilho macio,
das nuvens a suave leveza.
São mãos cansadas, frias,
calejadas, envelhecidas,
hoje de amor tão vazias.
Minhas mãos espalmadas para o alto
querem do firmamento a certeza
que nada, nada vai mudar,
que afetos renascem a cada primavera,
que meu sonho não é apenas quimera,
que você pra mim um dia vai voltar.
Minhas mãos, hoje tão trêmulas,
se agarram em fiapos de esperança
pra não ver essa alma ainda criança
cair no abismo dos seres perdidos,
sem fé, sem futuro, sem vida.
Ergo minhas mãos combalidas,
junto-as em prece, unidas,
no desespero febril de querer vê-las
plenas daquele carinho de outrora;
quero-as salpicadas de doces estrelas,
não quero vê-las assim tão nuas,
não quero mais minhas mãos
vazias das tuas….

Sonia m c ferreira

Trovas

Nos meus olhos as estrelas
já brilharam de paixão.
Hoje pó, não quero vê-las
espalhadas pelo chão.

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Hoje sou mulher ferida
esquecida pela sorte
pois se o amor me deu a vida,
a saudade me dá a morte.

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Sigo na vida sozinho
sem perceber realmente
que é na vida o meu caminho
caminho de muita gente.

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Não sei se tenho da vida
tudo aquilo que mereço:
às vezes me dá guarida,
noutras, me perde o endereço.

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Sou aquela que um dia
te trocou por liberdade
sendo hoje a mulher vazia
presa às cinzas da saudade.

Trovas

És noturno, és gavião,
De voz mansa, mas loquaz,
Não sei se és a tentação
Ou o caminho da paz.

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Não contaria decerto
Segredos pra esta mulher:
Se a orelha de mim ‘tá’ perto
A língua já deu no pé.

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O velho com mulher nova
Sofre sim, ninguém duvida,
Pois se não passa na “prova”
É corno o resto da vida.

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Não sou trouxa, lhe garanto,
Sou esperto como quê,
Mas me abestalho num canto
Se vejo chegar você.

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Vem a lua de mansinho
Fingindo que não me vê
Chorar à noite sozinho
Com saudades de você.