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O SONETO – JOÃO ROBERTO GULLINO

Texto publicado na revista Argila da Academia Brasileira de Poesia. nº 18 de dezembro de 2019
Vamos conhecer como se faz um soneto? Por que era a forma escolhida para expressar todo o lirismo de versos de amor?
“Estou sempre a procurar novos adeptos do soneto – mas que tristeza! A maioria confunde e fala em soneto como se fosse sinônimo de poesia. Aliás, poesia não se fala nem se escreve, sente-se. Qualquer demonstração escrita em versos é um poema, seja em que estilo for – livre, , metrificado, soneto, trova etc.- tudo é poema. Corriqueiramente, especifica-se um texto em versos como poesia e este hábito é quase impossível de corrigir-se no linguajar do povo e dos versejadores. Não é a disposição que texto que faz um poema, mas seu teor poético.
Para mim é redundância falar-se em soneto “clássico” ou “tradicional”, pois, para ser soneto as exigências de suas regras seculares têm de ser obedecidas, amarradas em seus quartetos e tercetos com rimas, métricas e acentuação o que lhes dá a cadência e a melodia necessária. O soneto tem suas regras presas e algemadas como são nossas leis que regem o comportamento de cada cidadão. Majô & Machado em seu site na internet justifica perfeitamente a obediência de tais regras rígidas, comprando-as com o vinho, essa bebida natural e original: “Se servido puro é vinho; se misturado com água e açúcar é refresco.” Nada mais lógico e racional.
Obviamente, as regras exigidas no soneto têm por objetivo, embora camuflado, o de dificultar sua montagem como um perfeito quebra-cabeça e, embora muitos não tenham entendido até hoje, a maioria dos poetas sonetistas as encaram como desafio. Tanto que Gonçalves Crespo o chamava de animal bravio.
O poeta Edgard Rezende indicava o trovador francês Girard de Bourneil do sec. XIII como criador do soneto. No artigo de Humberto del Maestro indica o monge beneditino Guido D’Arezzo, do sec XII. Já BRuneto Latini nos aparece como seu criador, pela pena de Guilherme Figueiredo. Em estudo e enciclopédias tudo é extremamente controvertido. Na avaliação de J.G. de Araújo Jorge, porém, “este não é o detalhe mais importante – o importante é que ele existe”. Assim, acho que quem quer que tenha sido seu criador, foi um iluminado.
Para OLAVO BILAC no seu livro Tratado de Versificação, o soneto “é uma composição poética, constituída de quatorze versos, distribuídos em dois quartetos e dois tercetos. A tradição quer que o último verso seja sempre uma chave de ouro, encerrando a essência do pensamento geral da composição. O clássico (de Petrarca e de Camões) é um soneto heroico ou dodecassílabo, contando-se doze sílabas em cada verso. Porém, nunca houve regras fixas para a colocação das rimas dos quartetos e tercetos se bem que a mais seguida entre os clássicos tenha sido a utilizada por Petrarca, seu divulgador, ou seja de acordo com o esquema ABBA ABBA CDC DCD.”
A variação do número de sílabas métricas em cada verso determina as diversas denominações dadas ao soneto:
Alexandrino – dodecassílabo, doze sílabas métricas
De arte maior – hendecassílabo, onze sílabas métricas
Heroico, Sáfico, de Moinheira – decassílabo, dez sílabas métricas
Gregoriano ou Jâmbico – eneassílabo, nove sílabas métricas
Sáfico quebrado – octossílabo, oito sílabas métricas
Redondilha maior, sonetilho – heptassílabo, sete sílabas métricas
Heroico quebrado, sonetilho – hexassílabo, seis sílabas métricas
Redondilha menor, sonetilho – pentassílabo, seis sílabas métricas

INSTANTES (redondilha menor)
Roger Feraudy, ABP, 1923-2006

Teus olhos, mormaços
de claro lampejo,
travessos, devassos
pecados que almejo…

E assim nos teus braços,
fogoso, desejo
sorver teus abraços,
no ardor do teu beijo…

Foi tão de repente,
foi tudo prazer
vivi do presente…

Tu és o bastante.
Depois.. é morrer
de amor neste instante!

POETA (redondilha maior)
Sonetilho heptassílabo de Sylvio Adalberto

Sangra nas veias dos versos,
finge que inventa o que sente,
recriador de universos,
tão coração quanto mente

Deixando em papéis dispersos
as gotas do sangue ardente
verso dos seus controversos,
sincero até quando mente.

Preso no giro da lida,
ergue a voz, vai sempre ao fundo,
debulha o milho da vida…

Por fora um lago de calma,
mas na bateia, no fundo,
deixa o cascalho da alma.

PECADO
Soneto heroico de Fernanda de Castro, Portugal (1919-1989)

Aqui me tens, meu Deus, em confissão.
Não matei. Não roubei. Não caluniei.
Mas nem sempre segui a Tua lei,
nem sempre fui a irmã de meu irmão.

Não recusei aos outros o meu pão,
amor, algumas vezes, recusei.
Mas, por tudo que dei e o que não dei,
eu Te peço, meu Deus, o Teu perdão.

Perdão pelos meus erros conscientes
e para os meus pecados inocentes,
pelo mal que já fiz e ainda fizer…

Perdão por esta culpa original,
para este longo e complicado mal:
O crime, sem perdão, de ser mulher!

NA COXIA DA VIDA
Soneto heroico de João Roberto Gullino do livro “Raízes”, Prazerdeler Editora, 2013.

Só quando os olhos fecho, vejo em sonho,
verdes campos floridos qual miragem;
e seu perfume surge, doce aragem,
e para um outro mundo me transponho.

Só quando os olhos fecho, bem risonho,
tudo esqueço e me visto de coragem
para não dissipar pura estiagem,
do que a vida me faz assim tristonho.

Só quando os olhos fecho, é que passeio
entre o mundo irreal da fantasia,
momento em que da vida tudo anseio.

Só quando os olhos fecho, da coxia
vejo da vida cada devaneio
tal como fosse pura cortesia.

A GRANDE LIÇÃO DA SAUDADE
Soneto alexandrino de José Luiz D’Amico, da ABP

Como as ondas que vão de volta aos oceanos,
Como a chuva que, aos céus, regressa esvaecida,
Tudo parece ter, nos seus devidos planos,
Tendência de tornar ao ponto de partida…

E, por esse vaivém das cousas e dos anos,
Uma verdade acena assim… despercebida:
_ Em muito corações os mais terríveis danos
Vêm da ilusão que nunca espera a despedida…

Por isto, quem não quer, de amor, morrer em vida,
Há de evitar distância e unir destino e sorte,
Porque a saudade mata, eis a lição, meu Deus:

_ Se há vida na chegada, há morte na partida,
Pois todo adeus é uma pequena morte,
Porquanto toda morte é sempre um grande adeus…