Palestra proferida no Silogeu Petropolitano no dia 15 de abril de 2010
Porque “As mulheres”? _ Vinicius foi um amante inveterado e um sacerdote acerbado do culto às mulheres. Abramos um parêntese: pretendo corrigir de público um erro que vem se repetindo cada vez mais. O primeiro verso de seu poema RECEITA DE MULHER diz: “As muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”. Notem a ênfase que dei “as muito feias”… Muita gente vem falando (e cantando) “as feias me perdoem”… Que pecado contra a filosofia mulheresca do grande Vinicius!
Em pesquisa empírica por mim feita, cheguei à conclusão que 70% das mulheres são bonitas, se 25% são feias; e logo, apenas 5% são muito feias, dou a preferência do poetaço – não me conformo em chamá-lo de “poetinha” – era quase que universal.
Note-se que supracitada pesquisa foi feita por mim, por não confiar em datas-folhas, Vox populi e quejandos, que manipulam resultados a favor ou contra, dependendo de quem paga mais.
Também fi-la para dar maior proeminência ao sexo feminino adorado pelo poeta, eis que o expoente da música, da poesia e da diplomacia – carreiras a que se dedicou com idealismo, sempre respondia quando inquirido sobre quais as três coisas mais importantes de sua vida: “Primeira mulher. Segunda, mulher e por fim, mulher”.
O homem que foi poeta em todas suas profissões e atividades será sempre um eterno apaixonado, buscando sempre o amor absoluto e a mulher ideal, mesmo caminhando para a morte, quando diz: “O que é o meu AMOR senão o desejo iluminado
O meu infinito desejo de ser o que sou acima de mim mesmo?
… O que é a mulher em mim, se não o túmulo
O branco marco da minha rota peregrina
Aquela em cujos braços vou caminhando para a morte
Mas, em cujos braços somente tenho vida?”
MARCUS VINICIUS DA CRUZ DE MELLO MORAES nasceu em 19 de outubro de 1913, na cidade do Rio de Janeiro e faleceu em 09 de julho de 1980.
Assim relembrando seu tempo de criança no poema O POETA APRENDIZ, o qual, 25 anos depois de sua composição foi brilhantemente musicado por toquinho, seu parceiro de tantas belezas musicais:
Era um menino, valente e caprino
Um pequeno infante, sadio e grimpante
Anos tinha dez e asinhas nos pés
Com chumbo e bodoque, era plic e ploc
O olhar verde- gaio parecia um raio
Para tangerina, pião ou menina.
(Olha a precocidade de sua preferência despontando aí!)
…… Sua coleção de achados no chão
Abundava em conchas, botões coisas tronchas
Seixos, caramujos, murulhantes, cujos
Colocava no ouvido com ar entendido
Rolhas, espoletas e malacachetas
Cacos coloridos e bolas de vidro
E dez, pelo menos, camisas de Vênus
…… De tanto driblar amava amar.
Amava sua ama, nos jogos de cama
Amava as criadas varrendo as escadas
Amava as gurias da rua, vadias
Amava suas primas, levadas e opimas
Amava suas tias, de peles macias,
Amava as artistas das cinerevistas
Amava a mulher a mais não poder
….. Por isso sofria de melancolia
De sonhar o poeta quem sabe um dia
Poderia ser.
Vinicius teve várias atividades ligadas à figura do pai, além da carreira diplomática. Com oito anos já compunha suas quadrinhas, o que não o impediu de, já adolescente, ”roubar” um soneto do pai, poeta amigo de Bilac, para impressionar a primeira namorada.
Seu pai- Clodoaldo Pereira da Silva de Moraes- era tocador de violão e cantador de modinhas. Um tio mais moço, boêmio e seresteiro, sua mãe e seu avô, hábeis no piano, foram responsáveis pela sua iniciação musical, advinda dos concorridos saraus em família desde a infância, no continente e na ilha do Governador.
SONETO DA FIDELIDADE
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
E possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Com vinte anos, formou-se em Direito, mas só suportou a rotina forense por mais ou menos um mês. A faculdade só lhe valeu pelas amizades cultivadas, pela introdução nas rodas literárias, intimamente ligadas à boemia naquela época.
Apesar de ter colocado letra num “Fox” de J. Medina e numa valsa de H. Tapajóz, ambos da RCA Victor, o ano de 1933 assinalou o lançamento de sua primeira coletânea de poemas, ”O Caminho para a Distância”, voltando à música, sua primeira paixão, muito tempo depois, cerca de dezenove anos, quando, com Antonio Maria, compôs “Quando tu passas por mim”, gravação de Doris Monteiro.
A década de 30 foi de puras glórias para os pendores literários de Vinicius. Com bolsa do governo britânico, foi para a Universidade de Oxford, em 1938. No ano seguinte casou-se por procuração – o primeiro enlace de extenso rol.
Em 1940, de férias em Paris, a guerra o obrigou a voltar para o Brasil, passando por Lisboa.
Ingressou no jornalismo – “A Manhã”, “O Jornal”, “Clima”- tratando de literatura e crítica de cinema, o que lhe valeu a indicação pelo Ministério da Educação, para o cargo de censor cinematográfico. Orgulhava-se de nunca ter censurado coisa alguma.
No estertor da década de 50, viu e participou da transposição de sua peça “Orfeu da Conceição” para o cinema, como um de seus roteiristas. – O jornalismo não rendia grandes proventos. Tinha de arrumar um emprego decente: burocrata do IAPB o Instituto dos Bancários. Mas, segundo conselho de Oswaldo Aranha, começou a preparar seu ingresso no Instituto Rio Branco, o Itamarati.
Em 1942, conheceu o escritor americano Waldo Frank e, bêbados, acabaram a noitada no Mangue. Curada a ressaca, lá se foram em longa peregrinação pelo Nordeste, passando por portos, favelas, rodas de samba e zonas de meretrício. Foram até Amazonas.
De volta ao Rio de Janeiro, sua vida foi engolfada pelo convívio com as mais diversas gerações culturais do Brasil: Manoel Bandeira, Santa Rosa, Drummond, Dejanira, Niemeyer, Aníbal Machado e outros. Tornou-se um dos vértices da atração.
Jovem, brilhante, poeta reconhecido nacionalmente, músico, jornalista, bem vindo em todos os meios socias, conviveu coma a fama, interrompendo sua trajetória em 1946, com o ingresso no Itamarati.
SONETO DA MULHER AO SOL
Uma mulher ao sol – eis todo o meu desejo
Vinda do sal do mar, nua, os braços em cruz
A flor dos lábios entreaberta para o beijo
A pele a fulgurar todo o pólen da luz.
Uma linda mulher com os seios em repouso
Nua e quente de sol- eis tudo que eu preciso
O ventre terso, o ventre úmido, e um sorriso
À flor dos lábios entreabertos para o gozo.
Uma mulher ao sol sobre quem me debruce
Em quem beba e a quem morda e com quem me lamente
E que ao se submeter se enfureça e soluce
E tente me expelir, e ao me sentir ausente
Me busque novamente – e se deixa a dormir
Quando, pacificado, eu tiver de partir…
Segundo depoimento de sua irmã mais nova, Laetitia, Vinicius andava pelos cinco anos quando demonstrou sua predileção pelas formas femininas, incorporadas na figura de uma amiga de sua mãe, moça linda, com lindas pernas. Debaixo da mesa, escondido, o pequeno moleque alisou os pilares daquele monumento.
Em 1922, então com nove anos, a família mudou-se para a ilha do Governador e ele ficou no Rio de Janeiro com os avós, para seguir com os estudos. Suas férias eram na ilha. Aprendeu a nadar sozinho. Conviveu com os filhos dos pescadores, líder e bagunceiro. Foi lá que, ainda no depoimento de Laetitia que descobriu o mar e seus encantos e, como veio saber muito mais tarde, foi iniciado nos folguedos do amor….
No Colégio Santo Inácio, já nos estudos secundários, suas habilidades se desenvolveram com mais disciplina. Atuou no coro da igreja, destacou-se no futebol e atletismo; ganhou medalhas e menções honrosas em Português, História, Ciências e Geografia, mas, jamais em Matemática.
Cantava, tocava, representava, dirigia. Foi o aprendizado de uma vida inteira que preconizava o gênio que ele seria.
SONETO DE QUARTA-FEIRA DE CINZAS
Por seres quem me foste, grave e pura
Em tão doce surpresa conquistada
Por seres uma branca criatura
De uma brancura de manhã raiada.
Por seres de uma rara formosura
Malgrado a vida dura e atormentada
Por seres mais que a simples aventura
E menos que a constante namorada
Porque te vi nascer de mim sozinha
Como a noturna flor desabrochada
A uma fala de amor, talvez perjura
Por não te possuir, tendo-te minha
Por só quereres tudo e eu dar-te nada
Hei de lembrar-te sempre com ternura.
Como diplomata em Los Angeles, impregnou-se de jazz e cinema. Conviveu com Orson Welles, que já conhecia do Brasil; embebeu-se dos grandes jazzistas da época, Stan Getz, Dizzy Gilepsie, Louis Armstrong e também os brasileiros que andavam por lá, promovidos pela política da Boa Vizinhança, Aurora e Carmen Miranda, o Bando da Lua e Aloísio de Oliveira.
Nasceu ali o embrião da bossa-nova, cujo nascimento sofrera forte influência de Vinicius.
Já de volta, compôs sozinho a “Serenata do Adeus” e, com Paulo Soledade, “São Francisco” e “Poema dos Olhos da Amada”.
Foi para Paris na segunda missão diplomática, quando entabulou os primeiros entendimentos para as filmagens de “Orfeu Negro”, voltou ao Rio. Sergio Porto, Paulo Mendes Campos e outros amigos apresentaram-no a um pianista novo, desconhecido que dava canjas em inferninhos cariocas: Antonio Carlos Jobim. Criaram então as músicas para Orfeu da Conceição encenado no Municipal, com cenários de Oscar Niemeyer. Nascia a parceria das mais famosas e festejadas da MPB. Vinicius, então, deixa a poesia no sentido estritamente literário e mergulha na música em parcerias com os Irmãos Tapajoz, Vadico, Pixinguinha, Adoniram Barbosa, Chico Buarque, Claudio Santos e inumeráveis outros, até encontrar seu mais duradouro parceiro: TOQUINHO. Um disco gravado na Itália, com a participação do violão de Toquinho “La vitta, é l’arte Dell incontro”, pareceu pressagiar o que nasceria dali. Vinicius encantou-se com o violão de Toquinho, o qual foi convidado para acompanhá-lo, juntamente com Maria Creusa, em uma série de shows em Buenos Aires. Essa parceria durou mais de onze anos, criação de perto de cem canções e a gravação de 30 LPs. O encontro nasceu na hora certa.
A MULHER QUE PASSA
Meu Deus, eu quero a mulher que passa.
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!
Oh! Como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pelos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.
Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Em fins de 1960, ele estava a serviço do Itamarati em Montevidéu, mas seu sucesso – “Orfeu Negro” (seu Orfeu da Conceição, transposto para a tela por Marcel Cannes, com o título de Orfeu Negro), recebeu a Palma de Ouro em Cannes- e a sua própria vida particular um tanto quanto “enrolada”- já andava pelo sexto ou sétimo casamento. Tudo isso concorreu para que a música e a diplomacia não pudessem mais conviver. Foi a fase áurea do músico, poeta, inclusive marcando o ano de 1963 sua estréia como cantor, gravando com Odete Lara. Sucessivas edições de sua “Antologia Poética” se esgotavam. Daí para a frente, até o fim de década, manteve contatos apenas burocráticos com o Itamarati, quando se desligou completamente. Já podia sobreviver, ainda que modestamente, dos direitos de seus livros e músicas.
A vida, a obra, a personalidade e até sua intimidade passaram para o domínio público. Ele viveu os prelúdios e a plenitude dos anos dourados, de tão profundas modificações no comportamento, no “modus vivendi”, nos costumes da sociedade. Poucos como ele souberam incorporar e transmitir tão sobejamente uma variada, moderna e universal experiência amorosa. Podemos dizer, que, sozinho, foi fiel intérprete da alma coletiva.
SONETO DO AMOR TOTAL
Amo-te tanto, meu amor… Não cante
O humano coração com mais verdade
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade
Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo, além presente na saudade
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante
Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente
E de te amar assim muito e amiúde
É que um dia em teu corpo e de repente
Hei de morrer de amar mais do que puder.
João Carlos Pecci disse muito bem: “Não basta seguir a receita de Toquinho e Vinicius “Para viver um grande amor”. Há que saber o mais difícil: SER POETA”!
Melhor do que eu, Maria Creuza, a grande intérprete de Vinicius, vai deliciá-los com o “SAMBA EM PRELÚDIO”, do próprio no “prelúdio e de Baden Powell no “samba” e depois, “Se todos fossem iguais a você”.
E nada mais dito, porque nada mais lhe foi perguntado. MENTIRA não acabou. Tenho que vender meu peixe, pois, ao assistir a um filmete de propaganda de cerveja, depois da morte de Vinicius, ele aparece sentado sobre um piano, segurando um copo de cerveja, logo ele que considerava o uísque o melhor amigo do homem, pensei em fazer algo jocoso em torno do absurdo da situação, mas o que foi saindo da minha usada Olivetti foi o poema
(RE) (VI) vendo Vinicius.
Vê, Vinicius meu amigo,
O que essa tecnologia
Conseguiu fazer contigo:
Retornares à boemia!
Milagre do faz-de- conta
Que a televisão nos traz
Tua doce imagem desponta
Falante, alegre vivaz…
Saudade que tua presença
Fez brotar na minha mente.
Saudade que a benquerença
Tornou bem mais eloqüente.
É ela que passa, a garota
E a seu compasso, o talento
Da poesia, tão marota,
Lhe dá maior movimento.
Ao veres a branca rosa
(com direito a passarinho)
Nos deste rima escabrosa.
Ousado, o tal cocozinho…
“Meninas de bicicleta”
Com direito a neologismo
“bicicletai”, que decreta
Golpe mortal no ciclismo.
Teu “Poema de Natal”
“um verso, talvez de amor”
É triste e tem, como tal,
A angústia de um sofredor.
“Um velho calção de banho”
Fez na praia de Itapoã
O mar encolher tamanho
“Sem ontem nem amanhã”.
Ai! A tua feijoada!
Só de rimas, ao revê-la,
Fica-me a boca aguada,
Na vontade de comê-la.
Infindável o rosário
Das tuas contas poéticas
Que eu, teu fiel sectário,
Rezo, em rezas patéticas.
É Vinicius, meu amigo,
Foi bom, muito bom lembrar-te
Não escutas o que digo…
A vida não imita a arte…
EPÍLOGO
Já que Wilson Mizner disse que “se você copia um autor, é plágio; se copia dois ou mais, é pesquisa”, citemos as fontes consultadas na produção deste humilde trabalho:
- CARLOS FELIPE MOISÉS – “Vinicius de Moraes – Literatura Comentada – Editora Abril – 1980-