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AMÉLIA DE OLIVEIRA – JOÃO ROBERTO GULLINO

14.04.1868 – 05.03.1945

“Quem pensa segundo a opinião dos outros, Está muito longe

de ser uma pessoa livre.”  – Autor ignorado

Palestra proferida em 05.06.09 na ACADEMIA DE LETRAS RIO-CIDADE

MARAVILHOSA, por seu membro correspondente

AMÉLIA DE OLIVEIRA – irmã do poeta Alberto de Oliveira que, em sua memória, assim se expressou o escritor pernambucano Múcio Leão (1898/1969)“… era uma senhora, cuja suave recordação devemos preservar. Era tímida e retraída, era por demais modesta e se ainda estivéssemos na época das imagens românticas, a compararíamos, talvez, com a recatada violeta… Possuía, entretanto, apreciáveis dons de poetisa. E se tivesse gostado de publicidade, seu nome estaria agora, provavelmente, citado entre os das nossas melhores escritoras e seus sonetos figurariam em antologias.”

Em outubro de 1953, Adélia Mariano de Oliveira Miranda, irmã mais nova de Amélia, enviou a seguinte carta ao poeta e historiador capixaba Elmo Elton (1925/1988):

Você, mais do que ninguém, conhece a história sentimental de minha irmã Amélia de Oliveira. Você guardou dela os retratos, os versos da adolescência, as lembranças literárias, porque você, alma religiosa de artista, ainda conserva, acima de tudo, o amor pelas cousas boas do coração e do espírito. Portanto, era justo que lhe entregasse, para serem publicadas, as cartas de Bilac. Elas documentam uma infeliz história de amor. Uma história de sonhos e de mágoas. Amélia, durante toda sua longa existência, fez segredo dessas cartas, embora pudesse ter feito uso delas quando, por tantas vezes, viu deturpada, pela pena de escritores apressados, a verdadeira história de Bilac.

 

Agora, porém, faz-se mister a publicação dessa correspondência. E ninguém mais do que você, de acordo com o meu pensamento e de meus irmãos vivos, merece o privilégio de trazer à luz este documentário precioso. “

 

Assim, é o poeta Elmo Elton, seu único biógrafo, que nos relata a modesta trajetória de Amélia, sempre discreta, porém, falar de Amélia é falar de Bilac – são duas vidas que não podem ser desassociadas. Ela viveu, como era costume de então, submissa à vontade alheia, sem direito de tomar decisões. Roubaram-lhe a vida, o amor, a felicidade e lhe impuseram a saudade, a tristeza e a resignação, mas não conseguiram tirar-lhe a nobreza e a postura de comportamento pois, segundo seus amigos – era uma perfeita dama.

Amélia de Oliveira, nasceu em Palmital de Saquarema, no Estado do Rio de Janeiro, em 14 de abril de 1868 e faleceu em 5 de março de 1945. Com seus irmãos Alberto e Bernardo, compunha uma família de poetas, além de vários outros irmãos, todos participantes dos círculos literários em sua casa.

Em 1883, Bilac com 18 anos, conheceu Amélia na casa de seu amigo, Alberto de Oliveira. Ela viria a ser o grande amor de sua vida e a inspiradora de alguns de seus mais belos sonetos. No mesmo ano, aos 15 anos, Amélia já escrevia belos versos e possuía apreciável cultura. A família Oliveira residia, então, numa aprazível chácara em Niterói – a Engenhoca. Nos fins de semana, a casa se enchia de amigos dos rapazes e transformava-se numa Arcádia doméstica, freqüentada pelos mais brilhantes e promissores poetas daquela época – Paula Ney, Rodrigo Otávio, Filinto de Almeida, Miguel Couto, Guimarães Passos, Raymundo Correia, Valentim Magalhães, José do Patrocínio, Raul Pompéia e os irmãos Aluizio e Arthur Azevedo, entre outros. Nesses memoráveis serões, tanto os autores, como as moças da família e amigas, recitavam poesias e disputavam, entre si, a glória de saber, de cor, o maior número de poemas. Consta que Amélia tinha excelente memória e orgulhava-se de recitar mais de 400 sonetos dos mais diversos autores. E já escrevia seus poemas.

E é nessa chácara, na Engenhoca, que Bilac usufrui de um convívio tão grande que lá fica dias seguidos e que, cada vez mais, sente afeição pela jovem Amélia. E a amizade se solidifica, vivendo ambos num constante ofertório de versos. Ambos têm os mesmos sonhos. Ambos têm as mesmas aspirações. E ela, mais tarde, inspira-lhe os sonetos de Via Lactea.

O poeta Afonso de Carvalho, em seu livro sobre Bilac observa: “No meio de tanta poesia, o amor florejava naturalmente como a rosa num jardim e era inevitável que, do convívio quase diário daquelas duas mocidades, ambas tangidas de sentimento poético, surgisse um grande amor.”

 

Após quatro anos de namoro, durante os quais foram escritos os trinta e cinco sonetos que compõem a Via Láctea, todos copiados a mão por Amélia para serem entregues ao editor, Bilac pediu a moça em casamento, obtendo pronto consentimento de sua mãe, Da. Ana e, posteriormente, confirmada por carta por seu progenitor, José Mariano de Oliveira, que se encontrava hospitalizado e que muito o admirava.

Infelizmente, o pai de Amélia veio a falecer vinte e oito dias depois, assumindo a direção da família, o filho mais velho, José Mariano, conhecido como Juca – austero, misantropo, inimigo de poetas e de jornalistas.

Sabendo que Bilac, de São Paulo, onde cursava a Faculdade de Direito (após abandonar a Medicina no Rio de Janeiro), escrevia a Amélia com grande assiduidade e que estava mesmo disposto a lhe desposar a irmã, Juca fez sentir à sua mãe o seu descontentamento, cada vez maior, pela continuidade daquele romance. Sabia que Bilac era muito bom rapaz, amigo de toda a família, dono de invejável talento – mas achava-o boêmio. Da. Ana, influenciada pelo filho, começa também a não ver com simpatia tal noivado. A Engenhoca perde, então, aquela serenidade antiga. Todos os dias armam-se discussões em casa, pois alguns dos irmãos – Alberto, Bernardo e Joaquim – acham que tudo aquilo não passava de um exagero da mãe e do irmão Juca.

 

Bilac, em março de 1888, isto é, com quatro meses incompletos de namoro, já não consegue mais viver em São Paulo, longe da Engenhoca. Deixa a Faculdade, deixa para sempre o seu curso de Direito. Não precisaria de diploma de bacharel para ser feliz, para vencer na vida! Precisaria, sim, de Amélia, de seu carinho, de sua companhia, de seu amor! Retorna então, à Corte – mas retorna vitorioso, aplaudido pela imprensa de todo o país, sobraçando o volume de suas poesias, com “Panóplias”, “Via Láctea” e “Sarça de Fogo” – versos, em sua maioria, inspirados por Amélia, sua musa, sua noiva adorada!

Na Engenhoca, é recebido friamente pela família de Amélia. Da. Ana, de quem ele tanto gostava, é a primeira a dizer-lhe que o Juca estava mesmo decidido a não consentir no casamento da irmã. Alguns dos rapazes também se mostram constrangidos diante daquele retorno de Bilac, ainda tão cedo, de São Paulo. E os estudos da Faculdade?

Bilac, já consagrado, tão admirado por todos os seus amigos e patrícios, sente-se humilhado. Por que, afinal, toda aquela guerra contra ele, se era tão grande o seu amor por Amélia. Bilac resolve, então, escrever ao Juca, que se encontrava ausente da Engenhoca, em Nova Friburgo. E lhe escreve uma carta humilde, uma carta cheia de confissões. Uma carta como a poucos teria escrito. Pede ao irmão de Amélia a palavra final sobre a autorização de seu casamento. E a resposta chega imediata. Juca, intransigente, em termos rudes, manifesta, mais uma vez, categoricamente, a sua opinião contrária sobre aquele noivado. Não consente mais a presença de Bilac na Engenhoca.

Mas o amor do poeta era imenso. Sua paixão não lhe abrasava a alma. Não era possível esquecer Amélia. E embora estivesse proibido por Juca de freqüentar a casa, insistia em fazer visitas à Amélia, tratando a todos com carinho, com respeito e humildade, mas Da. Ana dirigi-lhe palavras pouco amáveis.

Em fins de 1888, a família Mariano de Oliveira deixa a Engenhoca e muda-se para uma casa em Niterói e Bilac, fiel à noiva, vai visitá-la. Mas desde o rompimento do noivado, Juca não estivera ainda com Bilac e na mudança, vem para conhecer a nova casa e ver a família – e, naquele mesmo domingo, justamente no mesmo dia que Bilac também lá iria.

E é dolorosa a sua surpresa quando, ao invés de ser recebido por sua amada, depara-se ao portão da casa, com Juca, que, não respondendo ao seu cumprimento amável, trava com ele séria discussão. Não permite mais tais visitas e os outros irmãos não lhe aparecem. Juca lhe dirige palavras amargas, que lhe calariam, para o resto da vida, na alma torturada.

Mas sua tragédia não terminaria ali. Seus restos de esperanças se extinguem para sempre, quando Bernardo, dias depois, por ordem de Da. Ana, vai ao seu encontro, numa missão dolorosa, para reaver todas as cartas e retratos de Amélia. Logo seu amigo Bernardo. Apesar desse constrangimento e conseqüente afastamento do amigo Bernardo, Bilac conseguiu preservar a amizade de sempre de Alberto de Oliveira. E, após muitos anos, Bernardo já octogenário, não conseguia relembrar tal cena sem que seus olhos ficassem marejados. Mas a correspondência de Bilac foi preservada por Amélia, enquanto as cartas de Amélia para Bilac, devolvidas, foram todas destruídas por sua mãe.

 

Passaram-se os dias, passaram-se os meses. E os anos se passaram, sem que Amélia viesse a rever seu amado. Andava só e triste. Em tudo lembrava seu poeta.

Bilac, também, sem falar com Amélia, sofre amargurado a sua desdita. Os versos que escreve são versos plenos de solidão e tormento. E sentindo a grande ausência da mulher que tanto amou, vendo arruinado para sempre o seu castelo de felicidade, desesperado, contra a própria noiva, exclama:

Maldita seja pelo ideal perdido!

Pelo mal que me fizeste sem querer!

Pelo amor que morreu sem ter nascido!

Pelas horas vividas sem prazer!

Pela tristeza do que eu tenho sido!

Pelo esplendor que eu deixei de ser!

Amélia, por sua vez, perdida a esperança de se unir à Bilac, com o pseudônimo de Emília da Paz, publica, então, este doloroso soneto – PRECE – escrito quatro anos após a separação, talvez, o mais belo e mais doloroso de todos que ela deixou:

 

Não te peço a ventura desejada,

nem os sonhos que outrora tu me deste,

nem a santa alegria que puseste

nessa doce esperança já passada.

 

O futuro de amor que prometeste,

não te peço ! Minh´ alma angustiada

já te não pede, do impossível, nada,

já te não lembra aquilo que esqueceste !

Nesta mágoa sofrida ocultamente,

nesta saudade atroz que me deixaste,

neste pranto que choro ainda por ti.

 

Nada te peço ! Nada ! Tão-somente

peço-te, agora, a paz que me roubaste,

peço-te, agora, a vida que perdi !

E Bilac, quando tomou conhecimento desse soneto por intermédio de sua irmã Cora, ficou muito sensibilizado e escreveu, com o mesmo título, outro soneto – PRECE, dando sua resposta com humildade, arrependimento, remorso e desespero, em que lhe pede perdão:

Durma, de tuas mãos nas palmas sacrossantas,

o meu remorso. Velho e pobre, como Jó,

perdendo-te, a melhor de tantas posses, tantas,

malsinado de Deus, perdi… Tu foste a só !

Ao céu, por teu perdão, a minha alma, que encantas,

suba, como por uma escada de Jacó !

Perdi-te… E eras a graça, alta entre as altas santas,

a sombra, a força, o aroma, a luz… Tu foste a só !

Tu foste a só !… Não valho a poeira que levantas

quando passas. Não valho a esmola do teu dó !

Mas deixa-me chorar, beijando as tuas plantas,

mas deixa-me clamar, humilhado no pó :

Tu, que em misericórdia as Madonas suplantas,

acolhe a contrição do mau… Tu foste a só !

Bilac, de 1888 a 1910, não vira mais Amélia. A noiva, discreta, evitava encontrar-se com o poeta, embora, de longe, lhe seguisse os passos, feliz com os triunfos daquele a que tanto amava.

 

Depois do rompimento do noivado e de um período de prostração e abatimento, Amélia dedicou-se inteiramente aos familiares e ao trabalho, lecionando em diversas escolas. Passava temporadas em casas dos irmãos onde era muito querida pelas cunhadas e pelos sobrinhos. Por fim, fixou-se na residência de Alberto, a quem servia de secretária e que muito prezava suas opiniões literárias, consultando-a com freqüência. Em grossos álbuns, mantinha recortes de jornais de tudo o que se referia ao ex-noivo e colecionava cartões dele, enviados a Alberto, quando de suas muitas viagens à Europa. Era o mais puro romantismo.

 

Além de permanecerem solteiros, Olavo e Amélia demonstraram seu carinho mútuo, através dos anos, graças à cumplicidade da irmã dele, Cora, em cuja casa o poeta residia. Essa senhora, que se tornara grande amiga de Amélia, visitava-a com freqüência, enviava-lhe cartas, flores e versos de Bilac. Por sua vez, Amélia, semanalmente, mandava, para a amiga, rosas vermelhas, as preferidas do poeta, que eram logo colocadas sobre a sua mesa de trabalho. Quando se fazia fotografar, Bilac dava à sua irmã dois retratos, um com dedicatória e outro para ser entregue a Amélia.

Mas   os   anos  foram  passando  e,  Bilac e   Amélia,  poucas oportunidades tiveram para se rever. Fernando Jorge em sua obra “Vida e Poesia de Bilac” relata o fato:

Amélia  de  Oliveira, diversas  vezes, procurou  Gregório da Fonseca (amigo de Bilac, oficial do Exército ), para ver se este conseguia aproximá-la de Olavo. Ela afiançava  que   não  havia nenhuma   pretensão   amorosa.   Os   dois estavam envelhecidos e nada mais natural, portanto, que se vissem como simples amigos da mocidade.  Apesar  de  tudo,  Bilac   sempre  se  opôs.  Mostrava-se  recalcitrante. E dizia a Gregório:

Que  diabo  de graça tem agora  nós nos encontrarmos? Que diabo vamos dizer um ao outro? Estou velho, neste estado; ela é hoje uma verdadeira matrona. Eu morreria de ridículo.”

 

O primeiro encontro dos dois, desde o afastamento da Engenhoca, deu-se na casa de Hemetério dos Santos, em 1910, que aniversariava. Alberto de Oliveira e a irmã foram lhe levar os cumprimentos e chegando a casa do negro professor do Colégio Militar, lá encontram Bilac, que, em companhia de outros escritores, homenageava o filólogo ilustre. O poeta corre a abraçar Alberto e deparando-se, surpreso, com Amélia, lhe estende a mão comovidamente, sem, no entanto, lhe dizer uma palavra sequer. Amélia corresponde, igualmente, comovida, o gesto de Bilac.

Dias depois, o poeta publicava, celebrando o casual encontro com sua amada, o seu soneto – MILAGRE:

Depois de tantos anos, frente a frente,

um encontro… O fantasma do meu sonho!

E, de cabelos brancos, mudamente,

quedamos frios, num olhar tristonho.

Velhos! . . . Mas, quando, ansioso, de repente,

nas suas mãos as minhas palmas ponho,

ressurge a nossa primavera ardente,

na terra em bênçãos, sob um sol risonho.

Felizes, num prestígio, estremecemos;

deliramos, na luz que nos invade

nos redivivos êxtases supremos;

 

e fugimos, volvendo à mocidade,

aureolados dos beijos que tivemos

no milagre divino da saudade.”

Amélia freqüentava muito as sessões públicas da Academia Brasileira de Letras, sempre acompanhada por Alberto de Oliveira, com quem residia. Era, na ilustre Casa de Machado de Assis, pela sua inteligência e fidalguia, respeitadíssima por todos. Uma de suas amigas, a sra. Orminda Leitão, dá-nos, a esse respeito, pelas colunas do Jornal do Brasil, o seguinte depoimento: “Não faltava Da. Amélia Mariano de Oliveira às sessões da Academia Brasileira de Letras e muitas vezes lá fui, levada por sua mão, podendo então, aquilatar do conceito que merecia de todos os “imortais”, que a distinguiam com excepcionais homenagens. Sua atitude serena, seu modo diplomático de ser, que muitos, talvez, julgassem apenas o resultado de uma educação finíssima, que de fato possuía, refletiam antes de mais nada, sua bondade incomensurável, que aceitava tudo e de todos com benevolência, e, graças à qual, mesmo quando Da. Amélia era atingida pelas arestas que a vida reserva a todos nós, não se perturbava a sua linha elegante de grande dama que foi. Sim, uma grande dama, de virtudes intangíveis que soube, com sua vida digna, honrar sua família e a mulher brasileira.”

 

Apesar de todas as glórias que obteve em vida, Bilac não foi feliz e já, aos quarenta anos, tinha a saúde fortemente abalada pelo excesso de bebida que o levou à morte prematura aos cinqüenta e três anos.

 

Quando Bilac sentiu que estava para morrer, pediu à irmã Cora que trouxesse a mulher amada à sua presença. Queria dizer-lhe uma coisa importante. Amélia, tomada de forte emoção, não teve coragem de ir a seu quarto, de satisfazer o desejo do poeta, mas ficou como enfermeira invisível, preparando-lhe a comida, por muitos dias seguidos, observando o horário dos remédios, muitos deles por ela mesmo preparados.

Via-o, discretamente, pela escura vidraça do quarto. Rezava por sua melhora. E à hora em que Bilac encerra, para sempre, seus olhos deslumbrados, à cabeceira do leito mortuário, dá-lhe Amélia o seu adeus entrecortado de soluços.

Augusto Maurício, pelas colunas do Jornal do Brasil, comentando sobre o funeral de Bilac mencionou que, entre as coroas, havia uma grande, que quase tocava o teto, toda de saudades, com uma fita branca, pendente, num artístico laço, feito, sem dúvidas, por mãos femininas. Nenhuma inscrição continha, mas todos, sem exceção, sabiam de sua origem, pela última homenagem de carinho e saudade. E um dos presente comentou – “Esta coroa é a que mais fala, pelo seu silêncio.”

Participou de todas as homenagens que foram prestadas a sua memória. Antes da cerimônia de inauguração de sua herma no Passeio Público, cobriu de rosas brancas a base do pedestal e, todos os domingos, levava rosas vermelhas a seu túmulo no Cemitério de São João Batista. Morreu aos setenta e sete anos, vinte e seis anos após a morte do poeta, respeitada e admirada não só por parentes e amigos, como pelos intelectuais que a consideravam a viúva de Olavo Bilac. Foi a  força  deste  amor  que  deu a poesia de Bilac o sopro da eternidade.

 

Gregório da Fonseca foi, dos amigos de Amélia, o mais devotado, sem dúvida. Gregório era pessoa queridíssima de Bilac. Dizem mesmo que o poeta sempre que a ele se referia chamava-o de meu irmão Gregório.

Foi talvez, por ter sido o maior amigo do autor de “Tarde”, que Gregório entrou para a Academia… Quando Bilac morreu, o ilustre militar não se demorou a procura Amélia, em sua casa. Tinha algo a cumprir. Bilac lhe pedira, dias antes de sua morte, que arranjasse uma colocação para Amélia. O ex-noivo sabia que a família Oliveira não possuía grandes recursos e era preciso que Amélia viesse a contar com qualquer meio de segurança para o sustento de sua velhice, que já se avizinhava.

Gregório levou, então, a Amélia a notícia de que lhe arranjara um lugar de escrituraria, no antigo Ministério de Agricultura, Industria e Comércio. E foi com os vencimentos desse emprego, que ela na velhice pode viver independentemente, sem o auxílio de amigos e parentes. Visitava-a Gregório da Fonseca com assiduidade, sempre se mostrando preocupado com o bem estar da musa de seu glorioso amigo.

 

Após sua morte, em 1945,  a família de Amélia de Oliveira publicou, em 1950, alguns de seus sonetos – os remanescentes – em um livro intitulado Póstuma. Por eles, pode-se aquilatar seu talento de poetisa que, como disseram alguns críticos, poderia figurar nas melhores antologias e ser mais conhecida, já que grande parte de sua obra se perdeu no tempo como é próprio de quem não sustenta a vaidade nem o desejo  da projeção. E como disse o escritor Fernando Jorge (um dos biógrafos de Bilac) – “poesia é acústica,  ressonância de nossas emoções”,

 

Em sua biografia, Elmo Elton enumera as diversas mensagens de agradecimento e elogios ao trabalho de Amélia de Oliveira em seu livro “Postuma”, mas uma mensagem há que se destacar por sua beleza, em versos – A  GRANDE  MUSA  DE  BILAC – do poeta cearense Mario Linhares, 1889/1965 :

Lendo os versos de Amélia de Oliveira,

a grande musa de Bilac – eu penso

nesse drama imortal do amor imenso

que a alma lhe sublimou a vida inteira.

Tem seu estro a fragrância verdadeira

das lindas rosas de um jardim suspenso

e, entre volutas místicas de incenso,

sua imagem reluz, doce e fagueira.

Santificando a dor, viveu no exílio

de si mesma, nimbada pelo idílio

de uma afeição romântica e secreta.

 

Mesmo assim, nestas páginas sentidas,

revive a flor das ilusões perdidas,

à luz da glória de seu grande poeta!

Um detalhe de profunda emotividade que demonstrou a sensibilidade do grande amor entre Amélia e Bilac : Laurita Lacerda, amiga íntima de Amélia, assim historiou, após o falecimento de Bilac : “ Desde muito, guardava a ex-noiva do poeta, as grandes tranças de seus cabelos negros de quando moça. Logo que Bilac expirou, confeccionou ela uma pequena almofada, enchendo-a com seus cabelos, almofada em que deu o repouso final a cabeça do poeta”.

 

A seguir, alguns trabalhos de Amélia de Oliveira que deixam transparecer todas suas emoções:

NÃO  VEM

 

Bate o luar nos vidros da janela:

“Noite! E bem tarde já!” Angustiada,

ela tenta iludir a alma cansada

buscando o riso fugitivo dela.

Ouve fora um rumor, o ouvido vela

atento. “Certamente na calçada

vem alguém.” E sorri, alvoroçada,

mas logo em pranto o seu olhar se estrela.

Ninguém!… Como é cruel o isolamento!

Ninguém!… Somente a merencória lua

a percorrer o azul do firmamento!

 

E, muda e triste, ali, ela, somente,

olhando ao longo da isolada rua,

medita e chora dolorosamente!

EXCELSIOR

Canta! Feliz do peito feminino

quando, assim como o teu – profundidade

onde a pérola dorme da piedade –

tem que o traduza uma harpa de ouro fino.

E feliz do que lhe ouve o som divino

e fica a repetí-lo com a saudade

de quem, se alando em sonho à imensidade,

ouviu dos anjos, lá, dispersos, o hino!

Essa harmonia excelsa, entre os vulgares

ruídos da vida, me arrebata e enleva;

e, ao seu influxo e musical concerto,

subo – ficam-me abaixo a terra e os mares;

subo – ficam-me a poeira e a treva;

subo… eis-me em plena luz do firmamento!

PULVIS  EST ( É poeira ) 

 

Não pense nunca que, através da vida,

existe um paraíso à nossa espera;

isto não passa de falaz quimera

a que a alma se apega de iludida!

Quando a esperança já se tem perdida

e o pensamento aflito desespera,

quando nos é trocada a primavera

pela velhice, triste, aborrecida…

Nada nos resta mais – a sepultura

somente – onde devemos, sossegados,

dormir da morte o sono! Ela somente!

Nem de sonhar teremos a ventura,

jazeremos na poeira inanimada,

na nudez do sepulcro eternamente!…

 

SONETO

 

Noite fechada! O espaço inteiramente

é trevas. Que tristeza encerra esta hora,

em que tudo é silêncio e a alma que chora

abafa as vozes de sofrer latente!

Mas um canto vibrou, longe, plangente…

Quem é que a solidão perturba agora?

Ah! Quem se atreve pela noite a fora

um grito desferir, lugubremente?!…

É, porventura, uma alma forasteira,

que vaguei sozinha na espessura

da noite, procurando a companhia?

Não… talvez seja a gargalhada insana

de alguma  ave de agoura que procura

escarnecer da dor da vida humana!

 

SOMBRAS

Sombras… por que? A inspiração divina

que toda te enche e em teu cantar transborda,

a vida que te pulsa em cada corda

da sonorosa lira peregrina,

é luz, é resplendor que nos fascina

e a alma levanta, e, como a um sol, a acorda;

longe fica o pesar nem o recorda

à gente…  almo prazer só nos domina.

Sombras… Mas quem, meu Deus, não viu fugace

Nuvem, num dia de beleza extrema,

toldar-lhe o largo azul do céu risonho?

Caem-te em fio as lágrimas às face?

Cristaliza-as no verso e faze um poema

cheio da tua dor e do teu sonho.

II

Fala-me sempre desse tempo, desse

passado cheio de ilusões queridas;

belos perdidos soes, tardes perdidas

a cismar em um bem que hoje fenece!

A tristeza cruel  que permanece

em meu peito, não há de as recolhidas

lembranças a pagar, as doloridas

lembranças que jamais minh´alma esquece.

Fala-me sempre deste tempo, embora

venha a meu gosto a mágoa da saudade,

venha aos meus olhos doloroso pranto!

Quero sentir ainda, quero agora,

sentir aquela dúvida e ansiedade

do amor primeiro, do primeiro encanto!

AQUELE  DIA

Como esse dia foi ridente e lindo!

Como do sol os grandes resplendores

inda recordo e vejo! – O espaço infinito

todo azul, borboletas multicores,

duas a duas, céleres, abrindo

as asas entre lúcidos vapores,

sentindo em tudo nova luz, sentindo

novo mundo ideal, novos amores…

Depois a tarde a desmaiar, deixando

no horizonte seus raios diamantinos,

uma tristeza mística espalhando…

Depois, a imensa noite que descia,

abrindo em seu seio os ais divinos,

ais derradeiros do final do dia!

II

Morrer sozinha, não, eu tenho medo

da feia morte esmagadora e fria;

tenho medo da eterna moradia,

longe de todos do cruel degredo!

Morrer agora, não, é muito cedo!

Eu não quero deixar a luz do dia!

Da eternidade, à entrada, erma e sombria,

faz-me tremer o pávido segredo!

Morrer sozinha, não, tu prometeste

acompanhar-me à lúgubre morada,

acompanhar-me aos páramos medonhos…

e um juramento me fizeste!

– um juramento à tua fé jurada!

Não foram sonhos não, não foram sonhos!

À  MINHA  IRMÃ

 

Escuta – os gozos meus, toda ventura,

todos os sonhos e ilusão, querida,

tudo deixou-me, tudo! Nesta vida

nada me resta mais que a noite escura.

A que sorte cruel, amarga e dura,

Deus condenou-me! Esta alma dolorida

já sem força, ai de mim! Vejo rendida

à tristeza, ao pesar, à desventura!

O que hei feito, não sei; em vão banhado

tenho meu rosto deste pranto triste,

tenho mágoa sem conta em vão sorvido!

 

Não sei porque, escuta, escuta o meu passado,

é todo aquele que, a chorar, me ouvistes,

e que eu senti passar sem ter vivido!

 

II

Tudo passou… foi sonho? Não sei nada.

O que eu sei é que fui alegre outrora;

não tinha o pranto que em mim vês, agora,

e nem no peito a mágoa encarcerada.

Quantas vezes, minh´alma espaço em fora,

voou, voou, da vida arrebatada…

quanta vez, contemplando o azul da aurora,

não sorriu docemente descuidada…

Mas de um dia, me lembro, em que, contente,

adormeci, sem nunca haver pensado

o que pudesse ser desgosto ou mágoa.

Quando acordei… foi um sonho? Sei somente

que, pela vez primeira, amargurado

senti o peito e os olhos cheiros d´água.

FALSA  ESPERANÇA

 

Tua história por boca indiferente

outrora ouvi e, assim, tão desgraçada!

Senti toda por ela a alma tomada

da mais profunda comoção ardente!

 

Consagrei-te afeição, sincera e crente;

a Deus pedi por ti; a desejada

ventura ao céu roguei te fosse dada,

em troca desse amor ímpio e latente.

Procurei consolar-te, carinhosa;

busquei da vida o mais suave enleio

e a esperança surgiu, enfim, radiosa!

 

Porém, bem cedo evaporou-se o encanto…

E tens o peito de saudade cheio

e tens as faces úmidas de pranto

 

LÁGRIMAS…

 

A lágrima das mães é conhecida,

dentre as lágrimas todas, por mais pura,

dizem mesmo que tem mais amargura

e que é por Deus, talvez, a preferida.

 

A lágrima de irmãos – também fulgura.

Há nela a santidade concedida

pelas torturas desta triste vida

e, assim, como a das mães, se eleva e apura.

A lágrima de amigos, docemente

suaviza a existência malograda,

enche, às vezes, de luz noite trevosa.

 

Porém, a que mais dói, a mais ardente,

é a lágrima oculta, amargurada,

longa, triste cruel, silenciosa!…

 

NOITE

 

Quando a hora final da Ave Maria

deixa o eco voar espaço em fora;

nesse momento em que a melancolia

mais na terra se estende e se demora;

quando a sombra da noite que apavora

encobre o sol, escurecendo o dia;

quando não temos mais da última aurora

a doce luz, embora fugidia;

quando as trevas mais negras vão crescendo

e cobrem toda a natureza; quando

repousa e dorme tudo em paz – gemidos

ouve-se, o espaço inteiro percorrendo…

é que, tristes, no mundo, soluçando,

vagueiam muitos corações perdidos…

SAUDADE

 

Perpassa o vento, as sílabas cantando

de teu nome; por entre a ramaria escuto

as aves em profundo bando,

chamando-te em clamores de alegria.

Sobre o prado florente, à tarde, quando

o sol desmaia no final do dia,

por entre as flores, triste, meditando,

vejo-te a imagem plácida erradia…

 

De tua voz sonora o timbre ainda,

suave e puro, eu sinto docemente

ferir-me o ouvido em música divina;

tudo me traz de ti saudade infinda,

saudade que se aviva eternamente

e que a alma eternamente me domina!

 

MUDANÇA

Passa uma aurora e surgem lentamente

novas auroras sob o azul da esfera;

o verão, sucedendo a primavera,

enche a terra de sol purpúreo e ardente.

Vem o outono, monótono, cadente,

dizimando das árvores a era;

depois o inverno frígido, que impera

na grande natureza inteiramente.

Felizes vós que nunca a alma ferida

tivestes por desgostos e por saudade!

E nem nunca dos risos e da graça.

Sentistes falta no correr da vida!

Não vos fieis no tempo, a felicidade

o tempo rouba, o tempo despedaça!…

II

 

Já não bastam as dores que hei sofrido?

Já não tenho bastante suportado

essas mágoas profundas de exilado,

este viver tão triste e dolorido?

Que grande mal, que crime hei cometido?

Qual é pois neste mundo o meu pecado

para que riso meu seja olvidado,

para que seja meu prazer banido?

A causa desconheço da tortura

de meus dias, a vida já passada

tenho-a de novo toda em pensamento.

Não sei porque não posso achar ventura!

Não sei porque minh´ alma é condenada

a tão cruel e duro sofrimento!

 

 

ABANDONO –  (Recordando a Engenhoca)

 

Talvez já tudo tenhas esquecido :

aquela casa e as árvores frondosas

da entrada do caminho as brancas rosas

e o coqueiral, altivamente erguido.

O bando de aves tímidas, saudosas,

a deferir o seu canto enternecido,

e aquele céu azul, indefinido,

cheio de sóis, de estrelas luminosas.

Quanta mudança encontrarás se um dia

ali fores !… Tristonhos, tumulares,

o arvoredo, o rosal… O espaço mudo.

E só, errante a soluçar, sombria,

a saudade acharás se ali voltares.

Mas… talvez tenhas esquecido tudo !

 

A CLAEDI    –   ( no dia de seu aniversário)

Pedi ao sol um raio luminoso,

à Venus – o seu brilho diamantino;

pedi às brisas um suave hino,

e adeus à inspiração de um ser glorioso!

Tudo que existe, belo, majestoso,

tudo que existe de ideal, divino,

eu quis reunir, Claedi, e o teu destino –

saudar! – Saudar o teu viver ditoso!

Mas o sol, lá no ocaso, se escondendo,

não me ouviu! Venus, calma, sobre a altura,

muda, sorriu-me, desdenhosamente!…

A brisa se ocultou emudecendo…

e Deus, que assim te fez tão santa e pura,

não me atendeu! – o Deus onipotente!…

JURACY

 

Toda vez que recordo esta menina,

sinto o pranto, despertar-me a saudade;

alvo lírio entreaberto à claridade

dos raios de uma estrela vespertina!

Tão formosa! Tão meiga! Tão divina!

Tombaste alegre na primeira idade!

Ave! Quem arrancou-te a liberdade?

Flor! Quem roubou-te a aragem matutina?

Em um esquife azul, eu vi, deitado,

seu débil corpo, belo e pequenino,

todo de estrelas de ouro salpicado!

Sobre seu peito as mãos entrelaçadas…

Oh Deus! Por que não mudas o destino

de tantas criancinhas condenadas?!…

 

 

À MINHA MÃE

Lembrando a nossa amizade,

na minha dor envolvida,

eu vou, ó morta querida,

levar-lhe a minha saudade.

Pobre saudade! No entanto,

era assim que ela pedia :

“A saudade em poesia” ,

hoje orvalhada de pranto.